
Vavá Schön-Paulino *
Novos caminhos, novas possibilidades, novos rumos, novas formas, novos temas, novas técnicas, nova est’ética?
Todas estas interrogações para servir de prólogo para este minúsculo relato das nossas últimas experiências em viagem de trabalho por Portugal e Alemanha. Sem deslumbramentos ou pedante xenofobia, tentaremos re-fazer as memórias destes últimos três meses em solo Europeu. Abordando apenas os aspectos digamos assim: do “turismo cultural”. Já que, penso eu, falar do que fiz, seria por demais cabotino.
Seguiremos aqui a cronologia dos fatos. Dentro das possibilidades da nossa agenda de trabalho, selecionamos espetáculos, museus e afins para o nosso deleite sempre crítico. Durante estes dias, a partir de conversas com amigos e da observação especulativa sobre as peculiaridades da vida portuguesa e alemã, cunhei a frase de (d)efeito: - Não troco meu Paraíso precário por nenhum Inferno de luxo!
Os primeiros dezoito dias em Portugal foram dedicados aos ensaios e apresentações de O PAI DO GIGANTE. Como tenho mesmo uma vocação irreprimível para o magistério, selecionei para o início das minhas apreciações, o espetáculo BICHOS, uma colagem de textos de vários autores portugueses pela turma do primeiro ano da Escola de Teatro do Porto. Sinceridade? Tudo muito insipiente. Muito primário. Fiquei triste! A decepção total virá mais tarde. No dia seguinte, uma alegria. Alô comunidade teatral pernambucana: guardem este nome, corram atrás dele: Vassili Sigarev. Autor russo, de apenas 27 anos, um dos expoentes da nova dramaturgia russa. Seu texto PLASTICINA, por Nuno Cardoso, numa produção do Teatro Nacional São João, é qualquer coisa que nos faz vislumbrar o Anton Tchecov pós-perestróica e pós-glasnost. A encenação só pecou pelo excesso de signos. Economia semiótica parece-me ser algo que Portugal ainda não assimilou. Story line: o olhar de um adolescente frente à dissolução do antigo regime, da família e da própria vida! Comovente e perspicaz.
Após um mês em terras lusas, voei para a Alemanha. Tínhamos uma apresentação da nossa performance :REDE: para fazermos em Frankfurt, no Interkulturellen Bühne, e o filme AUTO DO CORAÇÃO para gravar. Que bom conhecer a Germânia pela cidade immer freie (sempre livre!), desde o tempo em que a Alemanha era um conjunto de reinos, Frankfurt já era livre. Uma população metade alemã, metade de todos os cantos do mundo. No país da Copa 2006, vai-se mais aos museus que ao cinema. O Museu de Arte Moderna de Frankfurt am Main, estará sempre em minhas lembranças, assim como o Louvre. Acervo irreprovável. Listar todos os outros museus da cidade precisaríamos de uma edição especial do Ribalta.
Aqui sim, encontramos uma indústria cultural, uma política cultural, uma construção contínua do conhecimento. Tivemos a oportunidade de conversar com um ator “aposentado”. Quarenta anos de trabalho em um Teatro Municipal, e agora, dando-se ao luxo de curtir a aposentadoria. Na Alemanha, todos os Teatros e Óperas, possuem seus quadros de artistas e técnicos, têm seus projetos de temporadas anuais e programas definidos. Todos são contratados pelos governos municipais. São trabalhadores com seus direitos garantidos. Há quem não goste. Os freies (independentes), ou como diríamos nós: os alternativos. Mas, a verdade é que a coisa (Das Ding) funciona e com qualidade!
Qualidade e recursos tecnológicos: duas presenças constantes na produção cultural alemã. Seja esta produção oficial ou independente. A montagem da ópera PARSIFAL de Wagner, impressionou-me logo de início, pelo arrojo técnico da cenografia e da luz. A última novidade da Europa? Utilização de lâmpadas fluorescentes como recurso de iluminação e de cenografia... Um palco do tamanho da platéia do Teatro do Parque! Hastes, vigas, que saíam do solo até o abismo das alturas do urdimento. Dois círculos que se tangenciavam e ao moverem-se criavam os espaços da cena. E, fundamental: übertitle (sobre títulos), nossa popular legenda, lá em cima do palco, todas as letras de todas as árias executadas pelos cantores.
Antes do retorno ao Porto dos Gauleses, a tristeza começou: assistir aos espetáculos do Grupo Corpo, nosso conhecido, de lá das Minas Gerais, no Teatro Municipal de Baden Baden, foi mal. A coreografia, Missa do Orfanato, traz-nos a certeza de que não devemos nos metamorfosear nem em americanos do norte, muito menos em europeus. Eles resolvem muito bem os “ismos” que eles inventaram. Eles não querem somente o Brasil exótico que é vendido pelas agências de turismo oficiais e privado. Sobretudo, eles querem nos ver fazendo aquilo que é nosso. E diga-se, não mera e simplesmente, esta noção equivocada de multiculturalismo.
De volta ao começo, ao fundo do fim, tivermos a oportunidade de assistirmos e participarmos do FAZER A FESTA – Festival Internacional de Teatro do Porto, e da I Mostra de Teatro Nacional de Valongo. Subi aos céus de curiosidade, pois na programação, tínhamos um grupo de teatro da cidade de Serpa com uma montagem de O Beijo no Asfalto do Nélson Rodrigues e um grupo de Vila Real com A Volta a Gil Vicente em 80 minutos... Ai, Jesus! Nélson deve ter morrido mais uma vez. Para fazer concessão ao gosto alentejano, Selminha virou Celinha e o seu pai, virou irmão! Quem conhece a dramaturgia rodrigueana, percebe o que significa transformar o pai em irmão. O alemão Freud já nos ensinou isto. E, o Gil Vicente, sem comentários... É melhor dizer logo que o grupo português mais festejado do momento, Teatro da Garagem de Lisboa, apresentou no FITEI – Festival Internacional de Teatro Ibérico, ÁCIDO, tratando dos problemas da imigração. E a opção estética, ou, e o conceito da encenação? Exatamente aquele mesmo que o Asdrúbal Trouxe o Trombone fazia cá nos idos anos setenta. E aquilo não era revival!
Fazer o que? Em todo o mundo, parece-me, a maioria das pessoas acham-se habilitadas para exercerem o ofício teatral. Por isso também que os teatros estão vazios, não é Karl Velintim?
* Artigo publicado no Jornal Ribalta, do SATED-PE, Ano VI n° 67, Junho/Junlho de 2006.
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